Fratura por Estresse - Patogênese, Tratamento e Prevenção
A fratura por estresse é a lesão causada por sobrecarga mecânica comumente vista em atletas e recrutas militares. É também conhecida como fratura oculta, pois na maioria dos casos ela não aparece no exame de Raio X simples. A patogênese da fratura de estresse é multifatorial e envolve tensões sub máximas repetidas sobre o osso; esse mecanismo cíclico é conhecido como fator extrínseco. Porém, a fratura de estresse também pode ser precipitada por fatores biológicos metabólicos e nutricionais conhecidos como fatores intrínsecos. A apresentação clássica da fratura de estresse é a seguinte: um paciente com dor de início insidioso, essa dor aumenta com a atividade física e a medida que o tempo passa a atleta precisa fazer menos atividade para provocar a dor. A relação entre o aumento da carga ou da intensidade da atividade é frequentemente encontrada como a gênese da patologia.
O suspeita clínico é muito importante e a confirmação diagnóstica é feita através de exames de imagem principalmente a Ressonância. Um subconjunto de fraturas por estresse podem apresentar um risco elevado de progressão para fratura completa, retardo de consolidação ou pseudartrose, Alguns locais apresentam mais frequentemente essas complicações, podemos destacar o colo do fêmur no lado de tensão (superior), a patela, o córtex anterior da tíbia, o maléolo medial, o tálus, o navicular do tarso, o quinto metatarso e os sesamoides do hálux.
Embora seja relatado uma incidência menor que 1% de fraturas por estresse na população em geral, a incidência em atletas corredores pode ser tão alta quanto 20%. Em uma revisão de 370 atletas com fratura de estresse a tíbia foi o osso mais envolvido, representando 49,1% dos casos, seguido dos ossos do tarso, em 25,3%, e dos metatarsos, em 8,8%. Fraturas por estresse bilateral ocorreram em 16,6% dos casos. Quando a fratura ocorre na tíbia é frequente a dor na canela, comumente conhecida como canelite.
A fratura de estresse é mais frequente nos jovens, porém, com o aumento da ênfase nas caminhadas para as pessoas idosas, a fraturas de estresse não deve ser esquecidas nesta população.
A fratura de estresse foi descrita em quase todos os ossos, porém, é mais comum nos ossos que suportam o peso corporal. Cada esporte apresenta locais anatômicos específicos para a fratura de estresse, o úmero é afetado em esportes de arremesso, as costelas no golfe e no remo, a coluna vertebral na ginástica de solo, as extremidades inferiores em corredores e o pé nas longas caminhadas. Na tíbia, o local da fratura está relacionado em alguns casos ao tipo de esporte.
Nos corredores de longa distância, são encontradas fraturas preferencialmente na transição do terço médio/distal. Nos esportes de saltos (basquete, voleibol, atletismo), encontramos fraturas no terço proximal e nos bailarinos, são mais frequentes as fraturas no terço médio da tíbia e também no pé . Na fíbula, as fraturas de estresse são frequentemente descritas no terço distal, porém na brigada paraquedista foram relatadas fraturas no terço proximal.
Patogênese
A etiologia da fratura por estresse é multifatorial. A taxa de ocorrência depende da composição do osso, do suprimento vascular local, do volume do envelope muscular, de fatores sistêmicos e do tipo de atividade atlética. Do ponto de vista biomecânico, a fratura por estresse pode ser o resultado de fadiga muscular, o que leva à transmissão de forças excessivas para o osso subjacente. Os músculos podem também contribuir para as lesões por estresse ao concentrar as forças em uma determinada área do osso, causando assim lesões mecânicas ao exceder a capacidade de suporte da tensão. Além dos fatores mecânicos extrínsecos (trauma repetido, tração muscular, etc), fatores sistêmicos, tais como desequilíbrios hormonais, deficiências nutricionais, privação do sono, anormalidades do colágeno e doenças metabólicas ósseas, podem contribuir para o desenvolvimento de fraturas por estresse.
A fratura por estresse é o resultado da aplicação de um estresse cíclico com carga sub máxima repetida até que o micro trabeculado ósseo começa a falhar. Um aumento abrupto na duração, na intensidade ou na frequência de atividade física, sem períodos adequados de descanso, está sempre presente na história clínica.
Em mulheres sedentárias, após a quarta década, é comum surgir a dor no pé após uma viagem com uma história de que caminhou muito durante vários dias. Isso se torna ainda mais importante naquelas que usam intensamente filtro solar e evitam o sol para prevenir o envelhecimento da pele.
A aplicação de uma carga hiperfisiologica, produz microfraturas, essas microfraturas podem coaleger e se transformar em pequenas trincas ou fissuras. Havendo a continuação da atividade física na mesma intensidade, fissuras e trincas podem propagar-se e coalescer em fraturas completas.
Outra teoria relaciona a fratura de estresse aos osteoclastos: a atividade física de alta intensidade levaria a um aumento na atividade dos osteoclastos com reabsorção óssea num ponto de maior concentração de força e consequente fratura por estresse. A incidência de fraturas por estresse em mulheres é alta, portanto é especialmente importante investigar os fatores intrínsecos em atletas do sexo feminino
Tríade da mulher atleta
O termo tríade do atleta Feminino refere-se à combinação de um transtorno alimentar, amenorreia, e osteoporose. Mulheres participantes de esporte de alto nível, como patinação, ginástica e crosscountry são particularmente propensas a esta tríade. Em um esforço para minimizar a gordura corporal e manter alta performance atlética, muitas mulheres jovens desenvolvem distúrbios alimentares durante a puberdade. Amenorreia e oligomenorreia são achados comuns em corredores do sexo feminino de longas distâncias, com relatos de irregularidades menstruais em algumas séries em 50% dos casos. A deficiência de estrogênio leva à diminuição da densidade mineral óssea e ao aumento no risco de fratura por estresse. Temos também observado uma maior incidência de deficiência de ingesta proteica, relacionada a fraturas de estresse, principalmente naqueles pacientes que se tornaram vegetarianos porém não tem uma preocupação intensa quando a quantidade de proteínas ingeridas ao longo do dia.
Atletas de corrida de endurance do sexo masculino são também predispostos a fraturas por estresse devido a baixa da testosterona, os níveis hormonais podem diminuir até 25% dos níveis fisiológicos com dois dias de treinamento vigoroso. A Testosterona inibe a interleucina-6, uma citocina responsável pelo reforço no desenvolvimento do osteoclastos. Por isso, baixos níveis de testosterona em atletas de resistência resultam no aumento da produção dos osteoclastos e consequente a reabsorção óssea nas áreas de estresse mecânico.
Avaliação Clínica
O diagnóstico precoce é essencial para evitar complicações e um atraso no retorno às competições. Como já afirmado inicialmente, a fratura de Estresse apresenta um início insidioso de dor durante um período de dias a semanas. Os sintomas são agravados pela atividade e aliviados com o repouso. A avaliação inicial deve incluir uma revisão dos exercícios e do programa de treinamento, qualquer alteração recente no tipo ou no nível de atividade deve ser anotado. A saúde geral do paciente, medicamentos, dieta, ocupação e atividades relacionadas devem também ser avaliados, bem como o ciclo menstrual em mulheres.
A dor óssea é o achado mais importante no exame físico. Em áreas profundas de difícil palpação, como o colo do fêmur, a dor pode ser provocada com rotação do membro e manobras de adução e abdução. A fratura por estresse em ossos subcutâneos podem apresentar edema local e espessamento periosteal palpáveis. A avaliação da biomecânica do membro é essencial para identificar fatores de risco tais como o desequilíbrio muscular, discrepância no comprimento do membro, pronação subtalar excessiva e pé plano. O diagnóstico diferencial para a fratura por estresse inclui a reação de estresse, que é uma etapa pré fratura bem visualizada nos exames de ressonância magnética. Na reação de estresse o osso está enfraquecido, porém, ainda não está fisicamente quebrado.
Outros processos patológicos que fazem diagnóstico diferencial com a fratura de estresse incluem: periostite, infecções, lesões ósseas por avulsão, estiramento muscular, bursites, neoplasia, síndrome compartimental e compressões nervosas. Na pelve e fêmur, o diagnóstico muitas vezes é tardio, pois a lesão é confundida com outras condições benignas, como estiramento muscular ou bursite.
Contusão e Edema ósseo A contusão óssea é um diagnóstico relativamente recente e surgiu com a maior investigação feita após entorses, contusões e lesões nos atletas com o exame de ressonância. O diagnóstico é muito frequente na investigação das lesões ligamentares após entorses articulares. Rompendo somente algumas trabéculas o osso não perde a forma e não mostra uma fratura na radiografia simples. Essa é uma causa frequente de dor crônica periarticular pós entorse. O diagnóstico é feito com o exame de ressonância que mostra Edema Ósseo nas imagens em T2. O termo edema ósseo é usado para se referir a um aumento de sinal que ocorre sempre que há uma maior concentração de líquido nos tecidos, fisicamente o osso não está edemaciado, porém por apresentar um aumento de sinal os radiologistas descrevem a imagem como um edema.
Diagnóstico
O diagnóstico de suspeição é feito com base na história clínica e no exame físico, porém os exames de imagem são úteis para confirmar esse diagnóstico e também para o estadiamento da lesão. Radiografias simples geralmente são normais nos primeiras 2 a 3 semanas após o início dos sintomas e podem não revelar o traço de fratura por vários meses. Reação periosteal, radiolucência cortical ou mesmo uma linha de fratura pode ser visto nos exames posteriores. A Ressonância e a cintilografia óssea são métodos sensíveis para confirmar casos suspeitos de fraturas de estresse. Nos estágios iniciais de uma fratura por estresse, antes da visualização em radiografias simples, a cintilografia óssea e a ressonância são altamente sensíveis para detectar lesões por estresse.
Nos casos agudos de fraturas por estresse observamos na cintilografia, áreas de aumento linear da fixação do radiotraçador Tecnécio 99 em todas as três fases. Ferimentos nas partes moles são caracterizadas pelo aumento da captação apenas nas duas primeiras fases, não havendo captação na fase tardia. Na ressonância, observamos áreas de edema intraósseo e em casos mais avançados o traço de fratura pode ser visualizado. Com a cura da fratura de estresse, ocorre a normalização da primeira fase da cintilografia, chamada fase angiográfica (fase I). A intensidade da atividade em imagens tardias (Fase III) diminui com 3-18 meses com a remodelação óssea, bem depois da resolução clínica dos sintomas. Portanto, a cintilografia não deve ser usada como parâmetro único para monitorar a cicatrização e ditar o regresso aos treinos e competições.
A cintilografia óssea com Tecnécio é altamente sensível para detectar as fraturas de estresse, mas carece de especificidade. A cintilografia óssea é muito sensível na avaliação de lesões suspeitas na coluna vertebral e pelve, identificando múltiplas fraturas e também distinguindo um osso bipartido de fratura por estresse. Na ressonância observamos áreas de contusão óssea com edema intraósseo. Nos dias de hoje temos preferido a ressonância magnética para avaliar as lesões por estresse, por ser um exame menos invasivo e não usar radioisótopos, porém a cintilografia ainda é usada em algumas situações.
Laboratorial
Uma completa investigação laboratorial em geral é negligenciada porém pode dar pistas importantes sobre a gênese da fratura. Com alguma frequência temos feito diagnóstico de osteomalácia e osteopenia até mesmo em pacientes com menos de 30 anos de idade!
Tratamento
Atletas que sofrem de dores crônicas e achados normais na radiografia simples devem ser investigados com cintilografia óssea ou ressonância magnética. Fraturas positivas na cintilografia (com captação) ou na ressonância magnética ( áreas de edema ósseo) porém com Radiografia simples negativa devem ser tratados com um período de descanso. Iniciamos com os exercícios baixo impacto. Aumentando lentamente nos locais com baixo potencial de complicação assim que o paciente puder realizar atividades de baixo impacto sem dor por maiores períodos. Se a fratura por estresse torna-se evidente em radiografias simples o tratamento deve ser individualizado.
A fratura por estresse de alto risco pode ser tratada como fratura uma aguda. Por exemplo, quando o diagnóstico é retardado, o tratamento não operatório tem piores resultados devido ao elevado índice de complicação. Na fratura de estresse simples diminuímos o ritmo dos treinos e após algumas semanas o atleta aumenta gradualmente a quilometragem da corrida e volta progressivamente às atividades esportivas específicas, com monitoramento clínico da dor.
Para a maioria das fraturas de estresse de alto risco da perna e do pé, um protocolo conservador agressivo constituído por suspensão da carga e imobilização é recomendado, especialmente se o diagnóstico é feito logo após o início dos sintomas. Existem exceções a essa regra, como por exemplo a fratura por estresse no lado de tensão do colo do fêmur, que requer a fixação interna para evitar a progressão da fratura, que pode ter uma complicação devastadora.
No atleta de alta performance, cuja subsistência depende do regresso antecipado à competição ou no atleta que necessita de um retorno precoce à atividade, a intervenção cirúrgica pode ser indicada. Por fim, a fratura por estresse com imagens de esclerose intramedular ou lesões císticas, podem necessitar de intervenção cirúrgica.
Prevenção
A fratura por estresse é melhor tratada com prevenção. Erros de treinamento, com um aumento excessivo da intensidade e frequência nos treinos são a causa mais comum para a ocorrência da patologia e devem ser desencorajados. importante orientar o atletas a repousar 24 horas após treinos leves e 48 horas após treinos mais intensos. Outros grupos musculares podem ser mais exigidos nesses dias de repouso, poupando os fundamentais do gesto esportivo, os chamados treinos regenerativos. Pacientes que não estão habituados a andar longas distâncias devem ser orientados a usar calçados confortáveis. Além disso, os pacientes devem ser orientados a levar um par de tênis em suas viagens onde terão de caminhar por longos períodos.
Novas atividades, como corridas em aclives e numa superfície dura, podem contribuir para o surgimento da fratura. O tipo e a condição do tênis (calçado) deve ser avaliado. Os corredores devem trocar de tênis a cada 500 km. Para os militares, a melhoria das botas, com o uso de palmilhas viscoelásticas, podem ajudar a reduzir a incidência de fratura por estresse de baixo impacto (fratura da marcha).
Os Atletas, treinadores, o pessoal militar e os pais devem ser educados sobre os efeitos deletérios do excesso de treinamento e da importância de dias de descanso periódico. Além disso, atletas e seus treinadores precisam ser alertados para os efeitos adversos dos distúrbios alimentares e também das alterações hormonais. A suplementação de cálcio e vitamina D pode ser eficiente nos pacientes com baixa ingesta de leite e derivados e baixa exposição ao sol.
Nos pacientes mais velhos com osteoporose temos observado uma maior incidência de fraturas de estresse nos ossos longos dos membros inferiores quando tratados cronicamente por mais de 5 anos com bifosfonatos, sendo as mais comuns as fraturas femurais atípicas. Após 5 anos de tratamento devemos procurar alternativas aos bifosfonatos.
Referencias
1.Kahanov L, Eberman LE, GamesKE, Wasik M. Diagnosis, treatment, and rehabilitation of stress fractures in the lower extremity in runners., Open Access J Sports Med. 2015 Mar 27;6:87-95.
2. M.J. MCKENNA, E. HEFFERNAN, C. HURSON, and F.E. MCKIERNAN Clinician approach to diagnosis of stress fractures including bisphosphonate-associated Fractures Q J Med 2014; 107:99–105
Dr. Marcos Britto da Silva
Ortopedista, Traumatologista e Médico do Esporte
Botafogo, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
Atualizado em 15/03/2016.
Olá, Dr Marcos!
ResponderExcluirA três anos venho sentindo dores que irradiam para perna até o dedão do pé.
Fiz ressonância da coluna não deu nada fiz ressonância do quadril e deu tendinopatia no glúteo ....essas dores também irradiaram para o braço e dedos..... Fui em vários médicos ortopedistas , clínico e por último um neurocirurgião que foi quem melhor esclareceu .
Fiz fisioterapia e não resolveu fiz Pilates melhorou pouco .
Tomei dez aplicações de ibuprofeno e não melhorou ...por último segui o tratamento do neuro que foi relaxantes e analgésicos e Pilates só que as dores voltaram e pior.
Estou numa situação de dor crônica.... Se fizer infiltração será que resolve e que médico procuro? Pensei em voltar no neuro.
Meu e-mail : karlacachoeirabrito@hotmail.com
Desde já agradeço!
Sim , voltar ao neuro é uma boa opção.
Excluir